domingo, 7 de outubro de 2007

Ética e responsabilidade social: um grande desafio às organizações contemporâneas

Resumo – Este ensaio tem a pretensão de estabelecer alguns esclarecimentos incipientes sobre Ética e Responsabilidade Social. Além de um pequeno esboço histórico, também versa sobre alguns critérios necessários para que uma empresa seja reconhecida como eticamente e socialmente responsável.


Introdução

Como decorrência de um cenário plural, marcado pela idéia de mudanças em todas as dimensões, da constatação de que no momento atual uma “razão única, tornou-se inaceitável”, é gratificante acompanharmos o esforço humano na busca de novos empreendimentos que visam a melhorar as condições humanas, pautados numa idéia de sustentabilidade. Vivemos então, uma espécie de revisionismo em relação às atitudes tomadas em toda a modernidade.
Nesses últimos quinhentos anos (a partir de uma perspectiva antropocêntrica) o homem, concebendo-se como sujeito privilegiado, abusou da sua capacidade de intervir na natureza. Várias contribuições significativas resultam desse processo por um lado, por outro, olhando para nossa história recente, é possível identificarmos alguns equívocos cometidos.
Chegamos, então, a um impasse: somos vitoriosos em questões tecnológicas e mal administrados em questões humanas. No bojo desses novos cenários, assistimos com entusiasmo, a algumas atitudes que demonstram essa capacidade do ser humano se reinventar e querer melhorar suas ações. No que tange ao universo das organizações, há uma temática recente que vem sendo colocada em pauta: trata-se da Responsabilidade Social.
Mas o que significa Responsabilidade Social? Quando surgiu esse debate no Brasil e no Mundo? Quais os critérios para considerarmos uma empresa socialmente responsável? Quais os desafios que a Responsabilidade Social nos propõe? Este ensaio tem a pretensão de apresentar alguns conceitos sobre a referida temática, buscando localizar a questão desde uma conceituação, até demonstrar os desafios que ela nos sugere.


1 Localizando a questão

Quando falamos em Responsabilidade Social, a primeira e mais comum inquietação que emerge diz respeito a sua conceituação. Esta necessidade surge, até porque as pessoas não têm clareza do que se trata e também pelo cuidado de não cometermos alguns equívocos sobre o seu real significado. E aqui cabe um esclarecimento inicial: “No Brasil, ainda se entende e se confunde a responsabilidade social empresarial ou a cidadania empresarial com o investimento que a empresa faz na comunidade. É até muito comum ouvirmos de uma organização: “somos uma empresa socialmente responsável porque apoiamos determinado projeto ou fazemos doações para a comunidade” (Grajew, 1999). Grajew nos chama atenção para uma concepção mais alargada de Responsabilidade Social, que não restringe o verdadeiro sentido da referida temática. Em seu entendimento, quando falamos em Responsabilidade Social,
Estamos tratando da relação ética, da relação socialmente responsável da empresa em todas as suas ações, em todas as suas políticas, em todas as suas práticas, em todas as suas relações. Isso significa responsabilidade social da empresa em relação à comunidade, aos seus empregados, aos seus fornecedores, aos fornecedores de seus fornecedores, aos fornecedores dos fornecedores dos seus fornecedores, ao meio-ambiente, ao governo, ao poder público, aos consumidores, ao mercado, aos acionistas (Grajew, 1999).
Já outro empresário, quando questionado sobre o que significa Responsabilidade Social pelo Jornal Zero Hora, teceu a seguinte definição:
Uma característica fundamental é a preocupação com a qualidade de vida dos diferentes públicos que se relacionam com esta empresa. A corporação precisa embasar suas ações na humanização das relações com o consumidor, com o ambiente e a sua sustentabilidade social. Ética e transparência são fundamentais (Mattar, op. cit.).
Antes de tematizarmos outros aspectos sobre os princípios de uma empresa socialmente responsável, iremos apresentar, segundo dados do instituto Ethos de Responsabilidade Social, alguns aspectos históricos do desenvolvimento da questão no Brasil e no mundo. Para Saraiva, no Brasil esse movimento começa a ganhar força a partir da década de 60 por alguns movimentos de empresários brasileiros que almejam pautar suas ações com base em princípios éticos, visando à construção da cidadania.
Esses grupos começam a tomar uma série de iniciativas que mais tarde iriam resultar nesse movimento recente de Ética e Responsabilidade Social a que assistimos hoje. Tudo começou quando:
No início da década de 60, um grupo de empresários em sintonia com as propostas da Union Internacionale Chrétienne des Drigentes d’Enterprise (UNIAPAC) – entidade belga, de 1931, que congrega empresários que adotam os fundamentos da Doutrina Social Cristã como princípio para o desenvolvimento sócio-econômico – fundou em São Paulo a Associação de Dirigentes Cristãos de Empresas de São Paulo – ADCE/SP. Esta surge com o objetivo de “estudar, viver e definir nas atividades econômica e social os princípios e a aplicação dos ensinamentos cristãos, através da educação e da formação do meio empresarial (Saraiva, 2002).
Com uma concepção avançada de ser humano e com base no código de conduta da entidade os membros da ADCE/SP, assumem um compromisso com a valorização do ser humano de forma integral: dentro e fora das suas organizações. Saraiva, ainda, chama atenção para uma mudança de atitude no que tange à questão da concepção individualista de lucro.
Esses empresários negam essa concepção de lucro que visa aos fins somente da empresa e, neste contexto, entendem e elegem dez princípios para agenciar as tomadas de decisões em suas organizações: “respeitos éticos, funções sociais, serviço à comunidade, lucro como remuneração, exigências legais, contribuição efetiva, respeito aos colaboradores, produtividade para todos, condições motivadoras e abertura ao diálogo” (Saraiva, 2002).
Essa concepção inovadora de gestão organizacional encontra algumas objeções. Como sabemos, na década de 60, o regime militar obstaculariza tais atitudes, sendo que a Responsabilidade Social vai ganhar força e espaço somente a partir do processo de redemocratização e da luta por direitos humanos. Essa luta por novas posturas desperta os empresários para a questão do bem-estar social.
Nas décadas de 70 e 80 (Saraiva, 2002), alguns atores tiveram papel de destaque no movimento: FIDES – Fundação Instituto de Desenvol­vimento Empresarial e Social, entidade criada com base no trabalho da ADCE, de caráter educativo cultural, com o objetivo de “humanizar as empresas e integrá-las à sociedade”; o sociólogo Herbert de Souza, o Betinho, que entre tantas participações em movimentos sociais participou da criação do IBASE – Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas e a campanha pela adoção do Balanço Social, em 1981.
O IBASE, que surgiu inicialmente com a proposta de democratizar a informação, contribuiu na mobilização da sociedade civil e das empresas em torno de campanhas como Ação da Cidadania contra a Miséria e pela Vida (1993); PNBE – Pensamento Nacional das Bases Empresariais, movimento de caráter político, formado por líderes empresariais, que surgiu em 1987 para promover a democracia e cidadania, através da participação política e elaboração de propostas para questões públicas; CIVES – Associação Brasileira de Empresários pela Cidadania, também de caráter político, visa a desenvolver a cidadania, aprimorar a democracia, e defender a ética e a justiça social através da conscientização do empresariado.
Saraiva (2002) ainda destaca outras atitudes tomadas na década de noventa, sendo as principais: O GIFE (Grupo de Institutos, Fundações e Empresas, fundado em 1995 com o intuito e com propostas claras de investimentos no social privado. Entre os inúmeros objetivos deste grupo há que ser ressaltado: “aperfeiçoar e difundir conceitos e práticas do uso de recursos privados para o desenvolvimento do bem comum”. Também na década de 90, especificamente em 1998, ocorre a criação do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social, que entre outros objetivos tem a pretensão de
promover e disseminar a prática da responsabilidade social, através da elaboração de publicações de apoio, articulação de parcerias, captação e divulgação de informações, encontros periódicos entre o empresariado para discutir temas de destaque dentro da causa. Entre suas propostas, incorporam-se ainda ações com outros dois públicos: jornalistas e universitários (Saraiva, 2002).
Ações como as do Instituto Ethos estão sendo vistas como exitosas, pois em apenas quatro anos, mais de 570 empresas estão predispostas em inserirem em suas ações a Responsabilidade Social como uma das diretrizes norteadoras envolvendo mais de um milhão de funcionários. Esse processo vem inclusive, confirmando um espaço privilegiado do Brasil em relação aos demais países da América Latina no que tange à Responsabilidade Social.
No que concerne ao cenário internacional, também houve um crescimento significativo, a partir da década de 90 segundo dados da Instituto Ethos: “O BSR – Business for Social Responsibility, situado nos Estados Unidos, é uma das principais referências mundiais sobre este tema e conta com mais de 1400 empresas associadas, o que representa um faturamento conjunto de 1,8 trilhões de dólares. Na América Latina, o BSR lidera uma rede de instituições e empresas, o Foro Empresa (Foro de la Empresa y la Responsabilidad Social en América), uma aliança iniciada em 1997 para fortalecer e apoiar o desenvolvimento sustentável comprometido com a responsabilidade social, nacional ou regionalmente, nas Américas.
O Fórum, que possui sede rotativa, desde março de 2001 atua com escritório no Brasil, e congrega além do Instituto Ethos, Acción Empresarial, do Chile, Fundemás de El Salvador, ARSE – Alianza para la Responsabilidade Social Empresarial do México, Peru 2021, do Peru, e BSR Panamá e Prince of Wales International Business Leaders Forum, da Inglaterra – este por ser ativo na América Latina” (Saraiva, 2002). A Europa também não fica fora desse novo modo de agir em defesa de posturas mais humanizantes nas organizações:
Na Europa, o CSR Europe – Corporate Social Responsibility in Europe, com sede na Bélgica, congrega organizações de 12 países que difundem a responsabilidade social das empresas regionalmente. Entre essas organizações estão o Business in the Community, no Reino Unido, Fundación Empresa y Sociedad, na Espanha, Hellenic Network for Corporate Social Responsibility, na Grécia, Swedish Jobs & Society, na Suécia, Philias, na Suíça, entre outras. Embora estejam em níveis diferentes de desenvolvimento e atuação, todas as entidades acima alinham-se aos valores e propostas desenvolvidas pelo CSR Europe. Além deste grupo encontramos ainda o Forum Responsible Business, na Polônia e a M.A.A.L.A. business for social responsibility, de Israel (Saraiva, 2002).
Pelo exposto, podemos verificar que a Responsabilidade Social vem tomando proporções interessantes e almejando objetivos que não seguem uma lógica cega do capitalismo selvagem. Ao contrário postula, em seus princípios, ideários pautados na idéia de bem comum, acreditando assim, num mundo socialmente melhor para todos.



2 Alguns critérios para que a empresa venha a ser considerada socialmente responsável

Para Oded Grajew (Empresário, Presidente do Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Social), quando falamos em Ética e Responsabilidade Social,
estamos falando de decisões que precisam ser tomadas não porque a lei obriga. A responsabilidade social deve ser vista como ações de livre e espontânea vontade. É uma decisão voluntária, calcada não na legislação mas na ética, nos princípios e nos valores (Grajew, 1999).
Grajew, sinaliza para alguns critérios que dão sustentabilidade à idéia da Responsabilidade Social numa empresa;

a) Ação integral na sociedade
Em seu entendimento, Grajew chama atenção para um esclarecimento que consideramos fundamental. Trata-se das confusões que inúmeras organizações fazem em relação à uma ação eticamente responsável. Nesse sentido vale o seguinte alerta:
Está passando o tempo onde se avaliava a responsabilidade social de uma empresa apenas pelo fato de ela destinar uma verba para o hospital da comunidade. E com isso ela estaria livre para se envolver em corrupção, qualquer que seja o grau. Empresas que fazem contribuições para organizações que cuidam de idosos mas engana o consumidor, polui o meio ambiente ou remunera mal seus empregados (Grajew, 1999).
Para o autor do texto aqui em análise, é fundamental que tenhamos clareza de que agir com responsabilidade social exige mais do que ações isoladas. Na verdade o que ele defende, e com isso concordamos, é que se trata de uma gestão empresarial com uma visão global da Responsabilidade Social. Caso contrário estaremos restringindo o sentido autóctone da Responsabilidade Social.
Grajew também chama a atenção para o fato de que a Responsabilidade Social não deve ser vista como um fardo pesado às organizações. Nesse sentido, devemos estar cientes de que o investimento em pessoas é o maior investimento que uma organização pode ter, pois o ser humano não é um ser dispensável.
Muitos gestores não adotam a Responsabilidade Social como prática por temer não alcançar os resultados esperados. Os estudiosos da questão nos alertam que, ao vivenciarmos a Responsabilidade Social, não devemos estar armados com essas preocupações se iremos ou não ter o retorno que almejamos. O que podemos é apostar que, se tratarmos os seres humanos com dignidade e respeito, como retorno temos grandes probabilidades de recebermos o mesmo. Colhemos aquilo que semeamos.

b) Produtos Responsáveis
Para Grajew, quando as pessoas são bem tratadas, elas sentem isso e colaboram, apóiam, melhoram a forma de se relacionar e servem como sustentáculo da empresa. Isso cria uma identidade da empresa porque está continuamente agregando valores, pautados em outra escala axiológica. Isso agrega valor inclusive aos produtos que são trabalhados na organização e atrai a atenção da comunidade:
Se o consumidor percebe que minha empresa é responsável, certamente ele vai preferir meus produtos. Sendo uma empresa socialmente responsável não posso produzir maus produtos. Uma empresa socialmente responsável fabrica produtos de qualidade, seguros, e presta bons serviços. Isso faz parte do respeito ao consumidor. E se, além disso, souber que minha empresa investe na comunidade, respeita o meio ambiente, que não se envolve em corrupção, que é transparente, cada vez mais ele vai balizar suas ações levando em conta essas qualidades (Grajew, 1999).
Talento, comprometimento e qualidade dos serviços prestados são algumas diretrizes que credibilizam uma empresa socialmente responsável. Pois através desses critérios, estabelecem relações com a comunidade e acrescentam uma série de benefícios aos produtos desenvolvidos, porque, dessa forma, está interagindo com a comunidade.
Temos que ter cuidado para não cairmos num marketing insustentável de praticar apenas algumas ações isoladas com os colaboradores na comunidade e utilizarmos isso como forma de propagação da empresa. A comunidade logo percebe os interesses subjacentes que estão imersos nessas atitudes.

c) Amplo Compromisso
Para Grajew, entre as condições para que um produto seja conhecido no primeiro mundo, a empresa deve demonstrar que é socialmente responsável. Em seu entendimento, a responsabilidade social atinge dimensões que até pouco tempo eram imagináveis. Aqueles gestores que perceberam a importância desses princípios em suas tomadas de decisões conseguem, a partir de uma outra cosmovisão, agregar novos valores na sua empresa. Esses valores ganham dimensões políticas, locais, regionais, nacionais, internacionais. Em síntese, é uma empresa que traduz os seus ideais, num investimento acentuado no capital humano.
É claro que isso exige do gestor uma grande abertura e mudança de comportamento. Temos que deixar de olhar a Responsabilidade Social da Empresa apenas como um fator isolado e temos que incorporar nas diversas práticas cotidianas. Essa mudança de postura exige alguns desvencilhamentos, que aos poucos vamos identificando:
“Há dez anos, quando se procurava uma organização para pedir a ela que investisse em ações sociais, costumávamos ouvir: “Tudo bem, vou fazer um sacrifício, vou fazer uma doação”. Como se isso representasse um desvio perigoso dos negócios. Era comum também afirmações deste tipo: “Antes de tratar da responsabilidade social, preciso ganhar dinheiro”. Ou então: “Vou me preocupar com responsabilidade social no fim de semana”. O panorama hoje é completamente diferente. Responsabilidade social não é uma atividade separada do negócio da empresa. É a nova forma de gestão empresarial. E, para uma empresa ter sucesso, para conquistar e ampliar mercado, para ter competitividade, a responsabilidade social é indispensável” (Grajew, 1999).
Um amplo comprometimento com um mundo socialmente melhor para todos, aos poucos começa ser desenhado por alguns gestores, que já identificaram os limites de uma economia predadora, que marginaliza as pessoas e deixa-as coladas a uma realidade de miséria. Esses marginais são os “zeros econômicos” que não contam na contabilidade do país. Transcender esse quadro está sendo o desafio e o comprometimento de muitos empresários que vêem na Responsabilidade Social um potencial muito fecundo na busca pela dignidade humana.

d) Palavra e ação
Segundo o filósofo Habermas, em sua Teoria da ação comunicativa, na palavra que proferimos já existe uma ação. Ao observarmos o mundo dos negócios, percebemos que na esfera dos discursos somos vitoriosos. Ouvimos cotidianamente inúmeras manifestações dos empresários que denotam essa vontade de melhorar o mundo. Para o presidente do Instituto Ethos, é importante buscarmos ações coerentes com o que defendemos:
O fundamental é que ética não é só discurso ou apenas boas intenções. O que vale são as ações concretas, a coerência entre discurso e ação. E a ação é importante pelo que traz de boas conseqüências e pelo que ela sinaliza de positivo para a sociedade (Grajew, 1999).
É claro que essa coerência abarca todas as dimensões do nosso agir. Às vezes temos um discurso sobre comportamento no trânsito, na fila de uma agência bancária, sobre saber esperar, respeito ao outro, saber competir e, quando temos a primeira oportunidade, agimos de forma incoerente. Ações como estas desagradam não só àqueles que estão próximos de nós como a nós mesmos. Uma empresa que almeja ser responsável socialmente deve zelar pela transparência entre aquilo que defende e aquilo que concretiza. Nesse sentido, temos que agir não só porque a lei obriga, mas porque nos sentimos bem conosco mesmos por estarmos visando a um mundo mais digno para todos.
Os empresários sabem muito bem o poder que possuem para promoverem mudanças. A sociedade está sempre “de olho” em suas atitudes. Essa forma de fiscalizar pode possuir duas conseqüências: uma primeira positiva quando o gestor age de forma coerente e uma segunda, negativa, por más ações que serão julgadas pela sociedade. Ciente disso Grajew nos alerta:
O setor empresarial é o mais poderoso da sociedade. É o setor que detém recursos financeiros, tecnologia, poder econômico e político. E quem tem poder tem responsabilidade. E a sociedade analisa o comportamento daqueles que têm poder para tirar conclusões sobre valor, ética, moral. E isso sinaliza formas de comportamento para a sociedade. Mostra que ética, que moral, que valores estão sendo difundidos (Grajew, 1999).

e) O bom exemplo
Todos sabemos o efeito de uma boa ou má ação. As boas ações servem para dar sustentabilidade a várias mudanças. Boas ações servem como indicativos norteadores nos procedimentos éticos. Uma boa ação é aquela que não suprime os interesses coletivos. É aquela que não se baseia numa ética restrita aos interesses de quem domina. Esta boa ação motiva as pessoas ganhando dimensões muitas vezes inesperadas. No caso de uma empresa socialmente responsável, é bom ter claro que
nós, empresários, dirigentes de empresas, executivos temos a oportunidade de interferir positivamente no processo de mudança social, a partir das nossas atividades, naquilo que fazemos no dia-a-dia. Se conseguirmos, através de nossos atos, de nossos exemplos, de nossas decisões, mostrar para a sociedade um outro referencial de valor, estaremos dando um passo decisivo para a melhoria da empresa, da comunidade, da região, do Estado, do País (Grajew, 1999).
O sucesso de uma ação promovida por uma empresa com Responsabilidade Social ganha dimensões alargadas, provocando ganhos para a esfera coletiva e individual e mudando a vida das pessoas com base em valores. Aqueles empresários que ainda pensam a partir de uma visão hermética da realidade entendem que um dia, quem sabe, depois de se aposentarem, irão praticar ações socialmente responsáveis em sua organização. Nesse sentido, vale o conselho de Grajew:
Não devemos esperar determinados momentos para agir com responsabilidade social, não apenas nos fins de semana ou no momento da aposentadoria. Responsabilidade social deve ser uma tarefa diária. Temos essa oportunidade e não devemos desperdiçá-la (Grajew, 1999).
Essas boas ações contagiam todas as dimensões da vida. Se eu como empresário sou responsável socialmente, com meus amigos e família também serei. Nesse caso, o bom exemplo é um multiplicador de melhorias amplas.


3 Algumas considerações finais

Uma primeira consideração que temos a tecer consiste em reconhecer e admirar os esforços da comunidade empresarial que, a partir de uma nova escala axiológica, colocou em pauta a temática da Responsabilidade Social. Discutir e praticar a Responsabilidade Social consiste, além de um desafio, numa postura ética que, sem dúvida alguma, agrega valores a sua empresa e à humanidade.
Descontentes com as dimensões selvagens do mundo do capital, que nesses três últimos séculos reforçou uma visão predatória dos bens de consumo, destacando e criando espaço apenas para alguns, mesmo que isso implicasse na destruição da natureza e de nós mesmos, a Responsabilidade Social possui, claramente, outros indicativos. Em suas práticas e discursos, postula uma visão ética de mundo, de economia e sociedade. Potencializa o ser humano e não tira dele a capacidade de sonhar. Nesses últimos três séculos, devido o império do mundo do capital, falar em sonhos significa falar em alcance de bens materiais.
Essa cultura pobre de espírito humano está sendo repensada. Nesse sentido, a Responsabilidade Social como um critério ético e transparente, acredita num mundo que pode ser socialmente melhor e compartilhado por todos. E ainda mais: ele só poderá ser compartilhado por todos, se no bojo de suas ações tiver como elemento norteador a idéia de sustentabilidade.
Nesse sentido, a partir de uma visão mais alargada de mundo, que transcende aquelas práticas pequenas de assistencialismo, a Responsabilidade Social já não é mais uma vanguarda dos nossos tempos, mas uma condição para que nossas organizações sejam éticas.
Quando defendemos essa postura, assustamos todos aqueles que ainda desenvolvem suas atividades nas organizações, com base no paradigma que almeja o lucro a qualquer custo. Estes sem dúvida vão dizer: “O que estão querendo? São novos comunistas”. Em seu temor está intrínseca toda uma dificuldade de desvencilhamento.
Quando falamos em aderirmos a uma postura socialmente responsável em nossas organizações, não há como negar, que de imediato, emergem várias objeções. Agora, só podemos aderir a ela, se tivermos a capacidade de nos desvencilhar. E é bom que fique claro que, desta vez, não são os sociólogos, filósofos e pessoas das áreas humanas que estão indicando a Responsabilidade Social como um dos vieses que indica para a construção de um mundo melhor; desta vez, aplaudimos os esforços da comunidade empresarial que propõe e busca sustentar essa nova alternativa para as organizações: “[...] e nossa experiência, tanto no Instituto Ethos quanto na Fundação Abrinq, nos mostra que esse tipo de comportamento traz ótimos frutos. E nos permite sentir um renascimento da esperança em um futuro melhor” (Grajew, 1999).
Atitudes e ações como estas devem servir como elemento multiplicador no nosso mundo globalizado. Sem almejarem fazer da Responsabilidade um “marketing barato”, que legisla em causa própria, os empresários que estão envolvidos na defesa desse processo denotam em suas práticas uma consciência de que a empresa não pode mais ser vista como apenas mais um aspecto da sociedade, vista de longe.
Ao contrário, as organizações fazem parte das comunidades e nela estão inseridas como extensão das vivências de vários públicos. Então não há como negar que organização e sociedade se encontram concatenadas e isto, aumenta o comprometimento de uma empresa socialmente responsável, como também, de seus colaboradores.
Outro aspecto que é importante ser analisado consiste em entender que o próprio conceito de Responsabilidade Social é um conceito que está permanentemente em construção. O critério para julgá-lo se está correto consiste em perceber se é ético ou não. Se tende para o melhoramento da coletividade com base numa visão sustentável ou não. E aqui abrimos espaços para uma série de novas ações que podem ser tomadas por uma empresa socialmente responsável. Não se trata de um novo catecismo, que doutrina e arbitra as organizações. Trata-se porém de empreendermos atitudes que visem a relações que dignifiquem e potencializem o ser humano.
Ao afirmarmos isso, é comum ouvirmos: “Mas o que é que eu empresário ganho com isso”? Bem, os valores que uma empresa eticamente responsável agrega são inúmeros. E já evidenciamos vários nesse texto, segundo a perspectiva do presidente do Instituto Ethos.
Apenas gostaríamos de retomar: Ser socialmente e eticamente responsável é o melhor marketing, sem precisar apelar para as modalidades convencionais de marketing. Esse marketing é sustentável porque credibiliza o ser humano e a sociedade, fiscaliza e agrega esse tratamento ao produto de sua empresa. Então, se você não comercializa apenas produtos, mas valores... O desafio é grande e estimulante:
Cresce entre os diversos atores sociais a percepção de que as empresas têm um papel mais amplo a cumprir, sendo co-responsáveis no desenvolvimento da sociedade. Já é consenso a tese de que as empresas que quiserem crescer, serem lucrativas e terem sucesso a longo prazo precisam incorporar em suas práticas cotidianas a qualidade ética nas relações com seus diversos públicos (Grajew, 1999).
Os pesquisadores chamam nossa atenção também para o cuidado com alguns selos de responsabilidade social que entidades de cunho político estão concedendo às empresas. Os critérios para atingir esses certificados não são os mesmos que estão descritos na Lei de Responsabilidade Social da AS 8000. Sugere, por exemplo, que uma empresa que divulga seu balanço e demonstra algumas práticas sociais pode ser candidata ao certificado.
Essa discussão é mais ampla e pretendemos desenvolvê-la num outro estudo. Apenas alertamos para o fato de que o verdadeiro sentido de Responsabilidade Social requer desvencilhamentos e mudança cultural, pois, desde sempre, fomos educados para a busca do lucro a qualquer custo. Logo, se um empresário busca atingir o certificado apenas para poder exportar para a Europa, por exemplo, está perpetuando as velhas práticas embasadas na lógica do capital monopolista.
Então, o palco está criado para diversas encenações a que iremos assistir, a partir de agora. Algumas (como afirmas David Cohen na revista Exame do mês de maio), encenando práticas de boas cidadãs, outras vivenciando um sentido mais coerente com os princípios da responsabilidade social. E, para que isso ocorra, a ética é fundamental.


Referências

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SARAIVA, S. P. O movimento de responsabilidade social das empresas no Brasil e no mundo. São Paulo: Instituto Ethos, 2002.
* Este estudo surgiu a partir de duas motivações: uma primeira da participação no grupo de Responsabilidade Social do Pólo de Informática de Caxias do Sul, cujos participantes são: Eliana Mattioda (Administradora – SDE Prefeitura Municipal de Caxias do Sul), Evaldo Antonio Kuiva (Professor Dr. do Depto de Filosofia da Universidade de Caxias do Sul e Iara Fátima V. Volpato (Assistente Social da Empresa Randon) e, a segunda, de informações oriundas do Instituto Ethos de Responsabilidade Social de São Paulo que não mediu esforços em nos enviar informações, ao qual sou muito grato. Publicado numa primeira versão na Revista Global Manager.
Doutorando em Filosofia da Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Professor da Disciplina de Filosofia da Faculdade Anglo Americano Em Caxias do Sul.

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