quarta-feira, 20 de agosto de 2008

A ÉTICA NO MUNDO DOS NEGÓCIOS alguns critérios para atingir o lucro na empresa sem desrespeitar questões humanas


“Os administradores que permitem que a orientação do resultado financeiro domine sua tomada de decisões freqüentemente sabotam sua capacidade de responder eticamente ao mercado” (NASH. L, p. 142)
Resumo

O presente ensaio apresenta,um localização do debate sobre a ética no contexto atual e também tem a pretensão de estabelecer algumas relações entre a ética e o mundo dos negócios. Finalmente, aponta para algumas atitudes e reflexões que contribuem para um melhor agenciamento dos relacionamentos no universo empresarial.

1.1 – Situando a questão

Vivemos num mundo marcado pela idéia de mudanças profundas em todos os segmentos. Na sociedade hodierna, o ritmo imposto pela lógica do mundo globalizado instiga a população mundial a novas tomadas de decisões. A velocidade e a efemeridade em que os eventos acontecem instauram novos cenários no mundo dos negócios. Esse novo quadro aponta para relações pautadas pela livre concorrência, pluralidade de idéias, novos projetos e necessidade de sabermos competir. Aliás, competir torna-se um dos maiores desafios. A questão, a qual normalmente nos reportamos, consiste em saber:como atingirmos êxito, com lucro e competitividade, no mundo dos negócios, respeitando princípios éticos?
Estou ciente que a resposta a essa inquietação não se esgota num simples artigo. No entanto a nossa intenção, aqui, consiste em chamar a atenção para a necessidade de verdadeiras relações orientadas pela ética no universo empresarial.

1.2 – Definindo o universo ético

Quando falamos em ética, nos reportamos para áreas específicas, afirmando haver vários códigos de ética. Ou dito de outro modo: várias éticas. Alguns segmentos cometem até equívocos por pensar e afirmar que a sua ética é melhor que a dos demais. Penso que aqui se localiza uma primeira confusão conceitual: a ética não pode ser restrita à algumas esferas apenas. Existem sim, necessidades localizadas de uma discussão ética, mas, sem dúvida, devem estar orientada por princípios universais.
Em nossos dias, devido a grande crise na escala axiológica (valores), fala-se da ausência da ética de que, necessariamente, da sua existência. A crise nas instituições, a falta de segurança contínua nas diversas relações, suscitam o homem contemporâneo a uma busca de novos referenciais orientadores em sua ações.
Há, no entanto, aqueles que preferem viver uma espécie de “relativismo exacerbado”, afirmando que cada ser humano possui um ética e pode agir como lhe convém. Ações como essas reforçam a desorientação da sociedade contemporânea. É por isso que hoje é comum ouvirmos expressões que reforçam a necessidade de vivermos apenas o presente sem nos preocuparmos com o futuro. Ou dito de outro modo, afirmam: para que nos preocuparmos como o futuro se ele é incerto? Frases como esta denotam um clima de descrença nos potenciais humanos, marcados por uma profunda crise de valores.
Na verdade, o cenário em que demonstra o nascimento da ética grega, possui alguns traços similares ao nosso contexto. Os gregos se encontravam em crise. Suas ações que até aquele momento seguiam às determinações do deuses. As vontades divinas é que podiam proporcionar alguns benefícios, ou penalidades ao humanos que não seguissem a manifestação da divindade. Nesse cenário, o grande problema dos gregos era encontrar um princípio que pudesse orientar suas ações, buscando o que chamavam de “justa medida[3]”, ou seja, um equilíbrio no julgamento das ações e não apenas julgamentos radicais.
Buscando acertar, mais de que errar, a ética grega surge com o ideal de orientar o cidadão da pólis. Por isso, é bom que fique claro que não é intenção alguma do universo ético punir alguém: quem pune é a lei. A ética orienta e proporciona reflexões e aprofundamento crítico da consciência do por que agir desta forma.

2- Algumas reflexões da ética no mundo dos negócios

O mundo dos negócios sempre foi e é um universo polêmico. Nele estão inseridas duas vontades: vontade particular e vontade geral[4]. A primeira tende a realização de fins individuais. A segunda, de fins coletivos.
O homem, desde as primeiras civilizações, necessitou da troca, da compra e venda por questão de sobrevivência. As primeiras relações humanas descritas pela história demonstram essa necessidade. O filósofo Rousseau[5], chamava atenção para um elemento que considerava ser a grande linha divisória da humanidade: a propriedade. Rousseau discorre sobre isso por que sua época assistiu o nascimento do processo industrial capitalista. Já nesse período ele tinha clareza de que a propriedade e lucro estavam tomando um caminho que não favoreciam o desenvolvimento humano. As relações de trabalho na indústria não eram éticas, as pessoas passavam de treze a dezesseis horas no trabalho onde vendiam sua mão de obra.
Enquanto alguns segmentos saudavam a indústria no século XVIII, outros a condenavam justamente porque a forma de apropriação da mão de obra era injusta. A grande ênfase positivista que o mundo assistiu no século XIX, demonstra uma aposta clara do homem pelo mundo da técnica. A técnica que nos apresenta hoje uma espécie de paradoxo, pois assistimos hoje grandes vitórias no mundo da técnica e muitas derrotas em questões que envolvem as relações humanas.
Os grandes avanços que a humanidade alcançou, foi justamente no sentido da quantidade aliada a qualidade. O mundo dos negócios trabalha com metas, que são cotas a serem atingidas. O desafio atual consiste na possibilidade de alcançar tais fins tendo como fundamento o ser humano e preservando a sua dignidade na empresa.
Vemos com muita clareza os esforços da comunidade empresarial no cumprimento de fins éticos mesmo tendo como objetivo de sua empresa o lucro: “Todo executivo ou executiva entende do poder do lucro para motivar, medir e recompensar o comportamento competitivo bem sucedido” (NASCH, p.120)
Os pesquisadores chamam a atenção para esse aspecto benéfico do lucro, utilizado pra motivar as equipes desde que seja coletivamente discutido. No entanto, no que tange a ética, temos que estar muito atentos para o seguinte alerta: “O lucro é uma alegação tão concreta e forte, e ética e tão abstrata e fluída, que o primeiro pode facilmente dominar a forma da tomada de decisões das pessoas.” (NASH, p.121).
Outro fator que possui implicância em questões éticas consiste na pressão no mundo dos negócios. Para o pesquisador Marshall Clinard num artigo sobre as corporações a ética e o crime, nove entre dez entrevistados atribuem as pressões no mundo contemporâneo às atitudes antiéticas nas empresas (CLINARD, apud Marshall p.122).
Outro pesquisador Keneth Andrews, chama atenção para a questão dos objetivos da empresa. Segundo ele, se a empresa visa apenas lucro, deixa de ser criativa se tornando despreparada para as novidades do mercado, atingindo clientes e os próprios funcionários. Esta empresa deixa de ser competitiva.
Temos que estar atentos para o fato de que há, no processo da busca cega por lucro vários equívocos: “quando uma empresa opera dentro de uma forte estrutura de resultado financeiro em um ambiente infestado de tubarões, o músculo moral do gerente pode terminar sob a faca de um programa de redução de custos. As obrigações morais, como a honestidade ou a confiabilidade, são cortados pelo bem do sucesso”(NASH, 124).
Numa administração ética, os autores alertam: a honestidade é uma das melhores políticas. Numa pesquisa realizado nos EUA sobre a questão de descontos e comissões ilegais, vários executivos admitiram que, para não perder negócios davam descontos ilegais e comissões. Esse processo, que visa o lucro a qualquer custo tem resultados nada satisfatórios caso contrário: “A cegueira do resultado financeiro, embora pretenda provocar apenas um espírito competitivo limpo, está inerentemente carregada de problemas morais.” (NASH, p.125)
O lucro pode e deve ser algo salutar a uma empresa. Ele não deve, no entanto, erguer barreiras à questões éticas. Quando aliado a questões qualitativas, o lucro pode levar a empresa a alcançar resultados significativos.
Penso que a grande questão que nos é colocada consiste na relação entre moralidade e lucratividade. Mediante a esse embate, sugerimos a seguir algumas ações que podem contribuir na orientação de tomadas de decisões éticas nas empresas.


3- O desafio da justa medida entre moralidade e lucratividade.

Na busca por relações mais edificantes no mundo dos negócios a ética aponta para:
a) A redifinição dos objetivos: buscar perceber se os meus objetivos não dão exclusividade ao fator financeiro;
b) Defender a necessidade do humano que motivado é o material mais rico dentro da empresa;
c) Agregar a empresa o capital humano reforçando os aspectos da honestidade e da justiça;
d) Incentivar relações criativas. A criatividade é, sem dúvida, no século XXI o grande valor humano ainda não colonizado, capaz de levar a sua empresa à cenários de destaques e êxitos alcançados com honestidade;
e) Não suprimir valores culturais: O nosso mundo atual é plural. Uma empresa moderna e atualizada deve pautar suas ações no respeito e na valorização das identidades culturais de seus integrantes;
f) Ouvir as pessoas: saber escutar torna-se hoje uma das maiores exigência éticas. O outro sempre pode ser o meu colaborador desde que seja ouvido;
g) Capacidade de dialogar: No diálogo já existe uma ação. O diálogo enaltece as relações empresariais criando espaço para a emersão de novos valores na empresa e aumentando o nível de seu colaborador pelo comprometimento autêntico;
h) Diluir poderes: ter abertura e capacidade de trabalhar em equipe;
i) Partilhar os objetivos: todos os colaboradores devem saber que os fins de seu trabalho é significativo;
j) Trabalhar tendo como norte saberes como: honestidade, confiabilidade, justiça, credibilidade, respeito pelos outros, respeito a si próprio, inovação e honestidade;
l) Ser idealista criativo não perder a capacidade de sonhar para além dos valores do consumo como única alternativa que a sociedade globalizada nos oferece;
Esses indicativos apontam para algumas reflexões que devem ser feitas pelos envolvidos no mundo dos negócios.
Administrar não é algo totalmente puro. O administrador se envolve em contextos onde a falibilidade acontece. No entanto, o cartão de visita de uma empresa se destaca, não pelos prédios bonitos que a cada ano constrói, mas pelas posturas éticas que assume no seu mundo de negócios.
O lucro deve ser e estar entre os objetivos da empresa, mas de forma alguma, deve suprimir a escala de valores que norteiam o bom andamento de uma empresa. O código de ética do administrador enfatiza a necessidade de uma realização edificante: a realização do bem comum e individual.
Aristóteles, lá na Grécia Antiga, chamava atenção para o fato de que não é possível o homem querer ser feliz sozinho. O fim último do homem, é a realização na coletividade. Daí a importância de uma empresa possuir fins coletivos. O mundo da ganância e da concorrência desleal pode ser superado por posturas e reflexões embasadas numa lógica diferenciada desta do capital excludente.
Antes de finalizar, chamamos atenção para mais um esclarecimento: não devemos jamais confundir legalidade com eticidade. Nem tudo que é legal é ético. As pessoas normalmente justificam suas posturas se apoiando nesse quesito: agi de acordo com a lei. Temos que estar atento para o fato de que, às vezes a lei representa a manifestação de vontades e interesses particulares e não coletivos;
Agora sim, finalizando, vejamos a representação numa alegoria do que seria a ética e qual o seu fundamento. Imaginemos um clima de uma noite inverno na Serra Gaúcha carregado por uma forte neblina; imaginemos também que qualquer um de nós tenha que fazer uma viagem de Caxias do sul a Canela com este clima. Certamente, não será uma viagem fácil. No entanto, se for um motorista comedido, terá como auxílio as placas sinalizadoras de trânsito que alertam sobre os perigos da pista e as velocidades permitidas, possibilitando ao motorista que alcance o destino desejado.
Agora imaginemos, nas mesmas condições de clima e trânsito, alguém ter de fazer a mesma viagem, sem a existência de placa alguma. Sem dúvida, as dificuldades serão bem maiores, e ainda, o risco de errar ou desviar-se do itinerário é uma possibilidade mais concreta. Mas o que isso tem a ver com a ética?
Diríamos que a ética funciona como as placas. Estas são princípios que nos orientam por onde podemos e devemos seguir. No entanto, não nos obriga. Pode ocorrer o caso de alguém ignorar, passar da velocidade permitida, ou até ultrapassar sob a neblina. Caso isso ocorra, e um guarda de trânsito vê-lo, receberá uma punição através de um multa. Diferentemente da ética, a lei pune. Mesmo assim, após ter realizado a infração o motorista começa a se questionar sobre o porquê daquela ação. Nesse momento está fazendo uma reflexão ética.
É a consciência do acerto ou do erro que nos instiga a questões éticas. Em relação ao mundo dos negócios Laura Nash nos sugere algumas questões que nos sugerem uma reflexão ética em nossas atividades:
Qual é o valor que a minha empresa está criando?
De acordo com a necessidade de quem eu estou agindo?
Estou perpetuando um relacionamento desoneste e fraudulento?
Que valor possui para mim o meu colaborador? e qual o uso que a minha organização faz dele? É um ser humano ou um produto?
Que linguagem eu estou utilizando para estabelecer metas para as outras pessoas?
Como a minha decisão afetará na reputação da empresa?
Esta decisão é consistente com os valores que desejo veicular através da marca ou nome da empresa? Quais os outros motivos que estão me guiando além do resultado financeiro da empresa?
Reflexões como estas demonstram que a ética no mundo dos negócios é, e se faz, cada vez mais necessária e possível a medida que gestores e colaboradores tenham fins comuns e possam, através de relações transparentes e honestas, partilharem suas inquietações e seus desafios. Sem dúvida, são ações que apontam para um salto em direção ao outro e não restrita apenas a o fortalecimento de vontades particulares.
Num ambiente em que as ações são compartilhadas o valor humano transcende aspectos restritos meramente ao lucro e a motivação de todos aumenta pelo nível de envolvimento e participação nas decisões da organização. Vendo por este enfoque, a ética se torna um auxílio aos gestores e não algo pesado e difícil de ser seguido.



REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICAS

ARISTÓTELES. A ética a Nicômaco. Trad. Pietro Nassetti. São Paulo: Martin Claret, 2002.
CENCI, Ângelo Vitório. Ética: racionalidade e modernidade. Org. Passo Fundo: Ediupf, 1996.
____________________. O que é ética? Elementos em torno de uma ética geral. Passo Fundo: Ediupf, 2000.
_____________________. A ética na prática pedagógica universitária. In: Cadernos de graduação, Passo Fundo: Ediupf, 2000.
MATTAR Neto, João Augusto. Filosofia da administração. São Paulo, Makron Books, 1997.
MOREIRA, Joaquim Manhães. A ética empresarial no Brasil. São Paulo: Pioneira, 1999.
NASH.L. Laura. Ética nas empresas. Trad. Kátia Aparecida Roque. São Paulo: Makron Books, 2001.
CONSELHO REGIONAL DE ADMINISTRAÇÃO DO RIO GRANDE DO SUL- CRA/RS. Manual de orientação profissional e código de ética profissional do administrador. www.crars.org.br. POA, 2002.

[1] Este ensaio consiste na tentativa de realizar algumas reflexões incipientes sobre o universo ético e suas decorrência para o mundo dos negócios tendo como foco a questão do lucro. Já publicado numa primeira versão na Revista Global Manager Edição N.04. ano.03.
[2] Doutor em Filosofia da Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul e professor na Faculdade Anglo Americano de Caxias do Sul.
[3] A justa medida é a busca do agenciamento do agir humano de tal forma que o mesmo seja bom para todos. (CENCI, Introdução da obra o que é ética?).
[4] Os conceitos de Vontade particular e Vontade Geral, são conceitos rousseaunianos presentes na obra Contrato Social, onde o autor discute a questão dos interesses particulares, sua necessidade de serem direcionados para a esfera coletiva da República, caso contrario a vontade particular suprime os interesses da coletividade.
[5] Num estudo realizado no século XVIII sobre o comportamento humano.