domingo, 18 de maio de 2008

A IMPORTÂNCIA DAS TEORIAS DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR .

A IMPORTÂNCIA DAS TEORIAS DA EDUCAÇÃO NA FORMAÇÃO DO EDUCADOR[1].

Vilmar Alves Pereira[2]

“É ambição de nossa pedagogia que os alunos tenham acesso a conteúdos verdadeiros e que, ao mesmo tempo, os interessem e sejam sentidos como um auxílio no seu próprio esforço para viverem e para conhecerem. E, então, o professor, há de parecer-lhes também uma instância auxiliadora e não uma potência hostil[3].”

Resumo
O presente artigo discorre sobre a necessidade e a importância que as teorias da educação assumem na formação do educador. É um estudo ainda incipiente e tem como objetivo demonstrar que sempre que estamos realizando uma tarefa pedagógica, cientes ou não estamos legitimando, ou defendendo, uma teoria. Desse modo não existe neutralidade no fazer pedagógico. Também pretendemos demonstrar que a pedagogia dialética aponta para um horizonte de emancipação dos sujeitos envolvidos com uma educação que busca transformar a realidade.

Delineando o assunto

Pensar sobre a formação do educador em nosso tempo, consiste num grande desafio. A educação assume faces diferentes em cada período histórico. As influências sociais, políticas e econômicas consistem nos marcos norteadores do processo educativo. Concomitante a isso, assistimos na universidade e nas salas de aula, por parte de alguns professores e alunos, um grande anseio de mudança. No entanto, essas mudanças, só serão possíveis, se os envolvidos com a formação do educador, possibilitarem aos novos educadores, algumas categorias básicas para a interpretação da realidade. Penso que aqui se localiza a função da filosofia da educação, e, em específico, das teorias da educação. Historicamente, as teorias da educação estiveram sempre legitimando modelos de escolas e de sociedades. O que pretendo aqui apresentar, num primeiro momento, é que em seu conjunto, as teorias da educação podem estar divididas em dois grandes vetores: uma primeira de caráter essencialista-tradicional e uma Segunda, de caráter existencialista- liberal. A superação de ambas, só é possível por uma terceira, que consiste numa pedagogia de caráter materialista-histórico, dialética que busca em seu conjunto uma síntese entre as pedagogias anteriormente apresentadas.

Em relação a primeira pedagogia (Essencialista-tradicional), a sua origem está identificada no idealismo clássico grego, principalmente na concepção de ser que os gregos possuíam. Platão é um dos primeiros pensadores que possui uma concepção de ser, que serve de sustentação ao ideal da pedagogia essencialista. Segundo esse pensador, a realidade se apresenta de forma dualista. Ou seja, existe um mundo real, que ele denomina de mundo das sombras e existe um mundo ideal, denominado de mundo da luz, da sabedoria e da perfeição.

Ora, se o homem se encontra no mundo real (das sombras e da imperfeição) e anseia alcançar o mundo ideal, do qual ele é apenas uma cópia, qual é o processo que deverá fazer para que ocorra essa mudança? Platão afirma que isso ocorre pelo processo da reminiscência, ou seja, ele deve constantemente buscar, pela educação e contemplação, recordar o mundo ideal e desejá-lo. Na concepção de Platão, a verdadeira essência não se encontra no mundo das sombras, mas no mundo da luz. Em outros termos, significa afirmar, que somos cópia imperfeitas se uma essência perfeita.

Que decorrências pedagógicas resultam desse processo?
Resulta numa pedagogia que tem como prioridade pensar o “aluno como deve ser” e não como ele é. Se o mundo real (sensível) não é perfeito, e, em certo sentido é uma espécie de empecilho ao ser humano, logo deve ser desprezado. Pedagogicamente, essa teoria, irá legar para a tradição, toda uma ignorância da realidade do aluno. Para Platão, por exemplo, os desejos do corpo, são elementos que impedem o homem de atingir o conhecimento. Daqui o legado para a pedagogia essencialista , da idéia de castigo.

As idéias de Platão são reafirmadas no período medieval onde o “homem como deve ser”, ganha o máximo de expressão. Isso aparece em algumas teorias do filósofo Agostinho, principalmente na sua obra Cidade de Deus. Nesta obra o dualismo Platônico assume uma roupagem religiosa e consiste num grande marco do pensamento medieval. A parte da igreja envolvida com a educação tinha um objetivo bem claro: é necessário educar para o espírito. Na verdade, o trabalho pedagógico era realizado com um aluno abstrato, deixando de lado toda a sua realidade social. Esse é um dos nortes da pedagogia tradicional- essencialista: não interferir na realidade. Nela ocorre apenas a transmissão de conhecimentos. É uma “educação bancária[4]” como afirma Paulo Freire.

A pedagogia essencialista possuía também alguns pontos posítivos como: Em certo sentido os professores eram competentes, dominavam os conteúdos e conseguiam ministrar suas aulas com disciplina.

Vai ser somente no período renascentista, que surgem algumas resistências, ainda que tímidas, a pedagogia essencialista. Foi Comenius, que motivado por algumas idéias de mudanças quem postulou uma pedagogia da natureza. Esta pedagogia dava mais espaço para questões humanas. No entanto, a concepção de natureza de Comenius, era ainda era ainda essencialista pois identificava em cada ser uma “natureza apriori[5].”

Os jesuítas, com a preocupação em salvar almas e “lapidar” os alunos, foram os grandes propagadores dessa concepção essencialista tradicional para o nosso contexto. Basta você ler as obras sobre a história da pedagogia desse período, e perceber que os métodos implementados nas aulas desprezavam a realidade da criança, sua língua materna e seus costumes. Os internatos se constituíram no grande universo de encontrar a essência pura dos alunos.

As oposições à pedagogia essencialista, desta vez, bem mais contundente, começam a se desenvolver no século XVIII na figura de Rousseau[6] e Pestalozzi. Ambos postulam uma educação a partir da existência real dos indivíduos. Isso significa, trabalhar o “aluno como ele realmente é” e não mais como deveria ser. Cabe afirmar, que os indicativos da pedagogia da existência, apontam para um novo horizonte: do aluno real. Nesse período, ocorrem vários esforços em afirmar esse novo espaço destinado ao aluno.

Um dos fortes conceitos trabalhados nesse contexto pela pedagogia e que é desenvolvido concomitante com os anseios da classe burguesa que está em afirmação, é o de indivíduo. As pedagogias liberal e da escola nova aproveitam o espaço criado pelas necessidades de mudanças e começam a criar um novo sujeito na escola. O aluno é respaldado por várias teorias (até mesmo psicológicas), como um indivíduo de direito e de deveres; começa a ocupar o centro do processo de ensino-aprendizagem. O culto ao indivíduo e a liberdade, defendido pela burguesia invadem o universo da escola e legitimam o novo sistema que está se impondo politicamente. Para que isso ocorra, é necessário desprezar tudo o que a escola tradicional essencialista fez. O legado dessas pedagogias foi um aluno desobediente, que não entendeu o conceito de liberdade e que adquiriu pouca formação. Cabe dizer, que essa era a pretensão da falsa pedagogia burguesa.
Saviani, em Escola e Democracia, faz uma analogia entre pedagogia da essência e da existência com a teoria da curva da vara de Engels. Segundo ele, o que ocorreu na transição da pedagogia de uma para outra, foi a inversão de posturas antagônicas e radicalização dos interesses dominantes no processo educativo. Esse antagonismo nas teorias da educação é discutido também por Suchodolski ao afirmar que, tudo o que pertencia a pedagogia da essência estava errado, a pedagogia da existência não proporciona um avanço epistemológico para a ciência da educação, ao contrário significou apenas uma relação de extremos.

Para a solução dessa querela faz-se necessário a presença de uma outra teoria da educação que busque superar as limitações de ambas. Não basta o dogmatismo da pedagogia tradicional, nem o liberalismo da pedagogia da escola nova. Nem essência, determinada “apriori,” e nem existência livre, mas um aproveitamento maduro dos princípios que norteiam essas teorias e que podem ser aproveitados na atualidade.

As posições mais aceitas, no sentido de superação dessa dicotomia, e com a qual concordamos, consiste em postular uma pedagogia crítica, dialética, uma pedagogia que possua em seu bojo um novo conceito de mudança. É uma pedagogia que deve indicar a “justa medida[7]” na esfera pedagógica. Essa pedagogia, embasada nos princípios do materialismo histórico possui elementos norteadores para a interpretação da realidade. Nessa pedagogia não se despreza todos os princípios da pedagogia da essência. Exemplo disso é caso da disciplina. A disciplina, como sabemos é um dos fortes pilares da pedagogia essencialista. A pedagogia dialética entende que a disciplina é imprescindível para o desenvolvimento de qualquer aula. Não o extremismo da disciplina tradicional mas uma disciplina coordenada por uma autoridade autêntica aliada a princípios da pedagogia da existência.
A pedagogia dialética busca superar os antagonismos em todos os sentidos. É o caso, por exemplo, da importância que atribui ao meio no qual o aluno se encontra inserido. Para a pedagogia tradicional a realidade não precisa ser aprendida. Diferente disso, a pedagogia dialética entende a realidade como ponto de partida para a aquisição de conhecimentos e para a concretização de mudanças.

Quando vejo, pais, professores e alunos preocupados com a questão sobre qual método utilizar e quando percebo a maneira que as teorias pós-modernas estão invadindo o universo da ciência pedagógica, penso que essa “aporia metodológica[8]” é resultando da ausência de uma teoria da educação que dê conta da realidade. No meu entender a pedagogia dialética e a Teoria Crítica[9] aliada a educação, possuem um potencial muito fecundo que contribui significativamente na formação do educador. Não é um potencial que se baseia numa denúncia estéril e ineficaz da realidade e das outras teorias da educação, mas, ao contrário, é um viés de superação e de possibilidade de emancipação do ser humano.

Penso que a questão a ser levantada por nós educadores é muito simples: que professor eu quero formar? Se eu quero formar um professor tradicional, há uma teoria e várias práticas que embasam esse modelo. Se eu quero formar um professor liberal, há nas teorias da educação toda uma pedagogia que se sustentou sobre os princípios da dessa escola e sociedade. Mas se quero comprometer- me com um educador crítico, aí, terei que pensar e repensar, uma postura epistemológica e prática que de conta da realidade conflitiva. Sem dúvida por essa via o compromisso é bem maior.
Ao meu entender, os cursos de formação de professores, principalmente os de pedagogia, necessitam constantemente reavaliarem a concepção sobre qual educador queremos formar. Muitos colegas vêem com espanto, o fato de alguns recém formados em cursos de pedagogia ao se inserirem no universo de trabalho, utilizarem, quase que na totalidade os princípios da pedagogia essencialista-tradicional. Para mim, esta questão é decorrente da forma que foram educados. Se a pedagogia dialética não surtir efeitos é por que não foi dialética. Essa questão abre espaço para uma outra característica da pedagogia dialética que Paulo Freire discute na obra Pedagogia da autonomia. É a idéia de que ensinar exige comprometimento. Esse comprometimento se dá tanto no viés ético (responsabilidade com o aluno que estamos formando), quanto no postura epistemológica que defendemos.

A pedagogia dialética, quando bem trabalhada, possibilita ao professor e ao aluno, não apenas um novo discurso, mas uma nova prática. É uma pedagogia que não se coaduna com as proposições do sistema vigente. É uma pedagogia que aceita o diferente e utiliza da crítica porque a entende como necessária para que ocorram mudanças significativas não somente na escola, mas na sociedade como afirma Libâneo: “Integrar aspectos material/formal do ensino e, ao mesmo tempo, articulá-los com os movimentos concretos tendentes a transformação da sociedade, eis os propósitos da pedagogia crítico-social dos conteúdos. Ela valoriza a escola enquanto mediadora entre o aluno e o mundo da cultura-construída socialmente- e cumpre esse papel pelo processo de transmissão/ assimilação crítica dos conhecimentos, inseridos no movimento da prática social concreta dos homens.[10]

É uma pedagogia virada para o futuro como afirma Suchodolski: “Na concepção da educação dirigida para o futuro o presente deve ser submetido a crítica, e então deve acelerar o processo de desaparecimento de tudo o que é antiquado e caduco, acelerando o processo de concretização do que é novo.[11]
Em outros termos é uma pedagogia para além dos métodos autoritários ou democráticos como percebe Saviani. É uma pedagogia comprometida com a prática social: “Considerando-se, como já se explicitou, que, dado o caráter da educação como mediação no seio da prática pedagógica, tem na prática social o seu ponto de partida e o seu ponto de chegada.[12]

É uma pedagogia que possibilita ao educador, um comprometimento com mudanças sociais e, necessariamente lhe confere, um estatuto seguro para a construção de uma proposta pedagógica na realidade onde ele atua ou vai atuar.
Esses indicativos me levam a afirmar, que fazer educação é assumir um compromisso político. No bojo dessa opção político-pedagogica, é imprescindível uma clareza sobre qual é a teoria da educação que fundamenta a minha prática.



REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 14a ed. São Paulo: Paz e terra, 2000.
LIBÂNEO, José carlos. Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social dos conteúdos. 2a ed. São Paulo: Edições Loyola, 1985.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação política. 32a ed. Campinas: Autores Associados, 1999.
SUCHODOLKI, Bogdan. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: a pedagogia da essência e a pedagogia da existência. 4a ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1992.

[1] Esse ensaio tem como sustentação teórica alguns escritos de Bogdan Suchodolski; especificamente, a obra A pedagogia e as grandes correntes filosóficas; Dermeval Saviani, Escola e democracia, e José Carlos Libâneo, Democratização da Escola Pública: A pedagogia Crítico Social dos conteúdos. Também é resultado de algumas reflexões oriundas das aulas de filosofia da educação nos cursos de pedagogia. (Publicado em primeira versão In: : Educação: reflexões, vivências e pesquisa. 1 ed.Caxias do Sul : Editora da Universidade de Caxias do Sul, 2002, v.01, p. 55-61.

[2] Doutor em Educação pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul (linha de pesquisa Filosofia e Educação) e Professor de Filosofia da Educação na Faculdade Anglo Americano de Caxias do Sul. Integrante do Grupo de Pesquisa CNPQ- da PUC-RS- Racionalidade e Formação.
[3] SNYDERS, Georges apud LIBÂNEO. Democratização da escola pública. 1985.p.13-14.
[4] Educação cuja metodologia concebe o aluno como um mero receptor passivo de conteúdos. Ao professor cabe a incumbência de transmitir o conhecimento.
[5] Natureza previamente existente em cada ser humano. Segundo a qual a educação o aluno deveria conformar-se com essa natureza.
[6] Sobre a pedagogia de Rousseau realizei nosso estudo da dissertação de mestrado onde defendo a existência de uma unidade Pedagógica presente no conjunto de suas obras. A discussão central desse trabalho, entitulada A unidade pedagogica na obra de Jean Jacques Rousseua, se encontra publicada nos anais da ANPED Sul, No III Encontro dos Pesquisadores De Educação Em Pós Graduação da Regional Sul na seção comunicações, dezembro de 2000.
[7] A idéia de justa medida é um conceito desenvolvido no ideal ético grego, principalmente em Aristóteles, para demonstrar a possibilidade de equilíbrio entre as ações humanas. Aqui entendida entre as duas concepções antagônicas.
[8] Uma espécie de beco sem saída.
[9] Estou fazendo referência aqui a teoria produzida pelos pensadores da Escola de Frankfurt. Essa linha de discussão faz parte de estudos que desenvolvemos em pesquisas como membro do grupo de pesquisa Teoria Crítica e educação da Faculdade de Educação da Universidade de Passo Fundo e que estamos desenvolvendo neste semestre pelo departamento de Educação da Universidade de Caxias do Sul, através do projeto de pesquisa em andamento denominado: Educação e Infância: algumas observações a partir da Teoria Crítica. Já possuímos algumas publicações sobre a referida temática. São dois trabalhos publicados na revista Espaço pedagógico. Um primeiro estudo é sobre A pedagogia da Radical de Henry Giroux e um segundo Sobre a Industria Cultural e o desaparecimento da infância.

[10] LIBÂNEO, José Carlos.Democratização da escola pública: a pedagogia crítico-social dos conteúdo, 1985, p134.
[11] SUCHODOLSKI, Bogdan. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas, 1992,p. 129.
[12] SAVIANI,Dermeval. Escola e Democracia, 1999.p.86.
REFERÊNCIAS

FREIRE, Paulo. Pedagogia da autonomia. 14a ed. São Paulo: Paz e terra, 2000.
LIBÂNEO, José carlos. Democratização da escola pública: A pedagogia crítico-social dos conteúdos. 2a ed. São Paulo: Edições Loyola, 1985.
SAVIANI, Dermeval. Escola e democracia: teorias da educação, curvatura da vara, onze teses sobre educação política. 32a ed. Campinas: Autores Associados, 1999.
SUCHODOLKI, Bogdan. A pedagogia e as grandes correntes filosóficas: a pedagogia da essência e a pedagogia da existência. 4a ed. Lisboa: Livros Horizonte, 1992.

Um comentário:

Paula disse...

Olá! Estou conhecendo o blog e concordo com muitas coisas aqui escritar pelo prof. Vilmar. E concordo principalmente quando vc levanta o questionamento sobre qual cidadão/professor queremos formar? Qual modelo educacional pode nos ajudar a formar o professor que queremos? Nós, da Educação Física temos nas últimas duas décadas principalmente, discutido e refletido muito acerca da formação na área e sobre seus objetivos na sociedade cotnemporânea. Com certeza, voltarei mais vezes ao blog. Abraços, Paula Bianchi (professora universitária)